Eu nunca lhe havia escrito um texto... A hora é agora.
Há certos momentos na vida que ficam na memória para sempre. Depois de um tempo, até os ruins passam a ser bons na companhia certa. Acredite, nem que eu me esforce consigo turvar as lembranças do vento batendo nos olhos, marejando-me. Houve vezes até em que passeamos só eu e você, e era exatamente essa a intenção; que ninguém nos atrapalhasse, a filosofar pelas estradas de terra...
Devagar, rápido, curto, longo, chuvoso, ardente, verde, castanho, nublado, céu azul, enluarado, somente estrelas, cada passeio com sua peculiaridade... Todos igualmente marcados. Aquela vez em que você avançou pela baia comigo (essa é a lembrança mais forte de todas, e hoje me é tão boa!), pelo topo de todos os morros, fugindo daquele cavalou louco (hoje tão mirrado) no caminho da Dona Carmen, a própria Dona Carmen com uma espingarda na mão na janela (que já se foi), o Seu Moacir enfraquecendo, também indo aos pouquinhos... E hoje, você, minha querida.
Desde os quatro anos, quem diria! E no início eu enguiçava tanto para montar. Não fosse meu pai insistindo por anos, e esse amor não existiria... nossa, que tristeza isso me dá hoje. Prova do tanto de coisas que você me ensinou. A ser paciente. A gostar de velocidade. A dar carinho. A experimentar o novo. A ficar sozinha, a dividir companhias, a curtir a brisa – especialmente curtir a brisa. Se gosto tanto disso hoje, tenho certeza absoluta de que a culpa é inteiramente sua.
Divina da Atividade, uma deusa em seu véu branco, crina cinza chacoalhando na sequência do vento. Que marcha, que galope, cheirando meu pé de bota como quem quisesse me morder, lembro-me bem. Sem contar as duas vezes em que você pisou no meu pé, achei que fosse ficar manca pela eternidade. Mãe e avó, quem sabe bisavó também, não sei o que se sucedeu com seus filhotes lindos: Surpresa, Pancho e Natalina.
Todas as vezes que preparei aquele seu “bolo” de farelo com folhas de bananeira, ou milho, ou banana! Quando você me oferecia a cabeça para tirar a rédea, achava aquilo o máximo, e pensava como podiam dizer que animais não pensam. Se não pensam, sentem. Quem sabe fôssemos só emoção e não seríamos mais felizes.
Obrigada por ter feito parte da minha família por catorze anos. Bom descanso agora, depois de todo esse tempo de luta. Morrerei de saudades, mas viverei por ti, minha querida Divina, minha eterna eguinha branca que espera por mim quando grito seu nome.
Nenhum comentário:
Postar um comentário